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Solidão é a pior 'doença' de idosos LGBTs

  • Foto do escritor: amor+
    amor+
  • 28 de mai. de 2024
  • 6 min de leitura

Pessoas idosas enfrentam uma grande solidão. Quando o assunto são LGBTs, a porcentagem pode quase dobrar. A maior dificuldade desses indivíduos vem do preconceito que enfrentaram e tiveram que lidar a vida inteira. A negligência dos outros com este grupo reflete, claramente, no acesso deles à saúde. 


Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP e da Universidade de São Caetano do Sul mostrou que pessoas idosas LGBT+ têm um pior acesso ao sistema de saúde no Brasil, seja ele público ou privado. O resultado principal do levantamento evidencia que, além de idade e raça, a orientação sexual e a identidade de gênero no público com mais idade são fatores determinantes para limitar a viabilidade de alcance aos cuidados que a vida demanda. 


Os dados revelam que 41% do público LGBT+ preto e 28% da população negra heterossexual e cis gênero tiveram uma possibilidade de acesso à saúde com dificuldade ou de forma ruim, enquanto 29% dos brancos que se identificam como “do vale” - expressão informal que a comunidade LGBT+ criou para se reconhecer - e 17% de pessoas brancas que não fazem parte da comunidade do arco-íris apontaram o mesmo problema. 


O estudo ouviu mais de seis mil pessoas, com mais de 50 anos, que usam as redes públicas e privadas de saúde - dentre as quais mais de mil se reconhecem como LGBT+. Para eles, o maior problema é a falta de preparo dos profissionais e da equipe para lidar com o público diverso. 


Milton Crenitte, geriatra do Hospital Albert Einstein e um dos autores da pesquisa, considera que o maior problema é acreditar que pessoas idosas são heterossexuais e cis gênero. “Partir de uma abordagem neutra, ou seja, perguntar sobre a família, a pessoa que ele ama e deixar que fale comigo”, indicou o médico.





Apesar do Estatuto do Idoso, no Artigo 18, deixar claro que é obrigação das unidades de saúde terem profissionais capacitados e treinados para lidar com a população com mais de 60 anos, a realidade da maior parte deles é bem diferente. Crenitte levanta a bandeira da necessidade de capacitação dos trabalhadores do sistema. “Uma educação transformadora é fundamental. A equipe em todos os níveis precisa ser educada, todos que atendem a unidade”, analisou. 


A solidão é quase um estorvo no cotidiano. A forma que encontraram de não sofrer todos os dias com tamanha negligência parental, muitas vezes, foi abandonar o desconforto de um ambiente que não poderia chamar de lar e procurar em outros grupos a família, o carinho, o afeto e a possibilidade de ser quem realmente é, sem as amarras do preconceito. 


“Quando tinha 8 anos, me apavorei com aquelas palavras e desertei de casa, fui morar na rua. Foi quando conheci a prostituição”, disse Marta Maria de Sá, ou Martinha, ao jornalista Yuri Fernandes durante a gravação de um documentário sobre sua vida, onde comentou sobre as constantes ameaças que recebia da mãe por ser - o que na época chamavam de - pederasta. A travesti baiana morreu aos 64 anos, em 2020. 


Fernandes, criador do documentário LGBT +60, que conta as histórias de pessoas idosas da comunidade do arco-íris, comentou que sua iniciativa veio da falta de conhecimento de uma amiga sobre o tema. “Existe LGBT com mais de 60 anos?”, questionou ela ao roteirista da série documental. 


Rede de apoio


A rede de apoio para o público 60+ também é uma questão. Questionamentos sobre aceitação da família, forma de se portar na rua e o que falar para médicos são coisas recorrentes para esse público. Até mesmo o pensamento de um dia parar em um lar de idosos passa pela cabeça dessas pessoas, que temem ter de deixar de ser quem são para serem aceitas pelos ambientes majoritariamente hétero-cisnormativos.



“Imagina uma travesti chegar à terceira idade e depender de ir para uma casa de acolhimento. Do jeito que as coisas são hoje, ela terá que cortar o cabelo e as unhas, tirar a maquiagem… Ou seja, ela vai ter que se despir de si, para se encaixar e um padrão para não ficar em situação de rua”, afirmou Jordhan Lessa, homem trans e guarda municipal, que considera os idosos do vale invisíveis para a sociedade. 


A médica de família Marina Barbosa, que atua no SerTrans, um serviço de referência à população LGBT, comenta que se preocupa com suas pacientes em transição que não possuem nenhum tipo de rede de apoio. “Quando iniciamos a hormonização, me aflige mais aquelas que não tem apoio, do que as que têm." 


Christiane Laporta, coordenadora do SerTrans, explica porque esse é um sentimento claro para o grupo. “Pessoas que não tem apoio sofrem psicologicamente muito mais e têm mais pensamento suicidas, do que aqueles que têm esse tipo de ajuda e segurança." 


Ela ainda afirma que esse é um dado que mostra o quão importante é uma rede de apoio para quem está em tratamento médico.  


Direitos 


Ainda que em 2019 o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha equiparado a LGBTfobia com o crime de racismo e assim, portanto, condenado todo e qualquer tipo de crime de ódio contra pessoas da comunidade colorida, os dados alarmantes não pararam de crescer. 


Isso evidencia o preconceito que essa população ainda enfrenta. Crenitte disse que idosos não estão isentos desse tipo de preocupação e que o medo dos hospitais e das abordagens discriminatórias fazem parte do dia a dia. 


“Por medo ou por experiências ruins nos serviços de saúde impactam diretamente na procura por exames preventivos, no controle de doenças crônicas, aumentará os distúrbios com relação à saúde mental”, afirmou Crenitte.


Pesquisador de gênero e sexualidade, Fellipe Sena considera que parte dessa invisibilidade está relacionada com a falta de abordagem dessas questões na grande mídia. “A presença em debates e seriados de televisão, por exemplo, é majoritariamente jovem. Não existe espaço nesses ambientes para se falar de saúde LGBT mais velha."


”Por consequência dessa invisibilidade, essa é uma comunidade com muito mais dificuldade de trazer transparência e conquistar direitos, em relação às suas necessidades específicas. São pessoas que vieram de gerações com uma estrutura social não conveniente para que eles se assumissem como LGBTs”, concluiu o estudioso.





Rubens Fernandes Lucinari, de 60 anos, é exceção à regra. “A Santa Casa era meu refúgio, porque a área da enfermagem tem bastante gay. Então eu não tive problemas.”


Mas mesmo assim contou histórias como a de uma colega de trabalho que uma vez comentou com ele sobre acreditar que “virar gay” estava se tornando moda, já que em todo lugar que atendia via homens com “trejeitos”.


”Ninguém quer ser gay, porque ninguém quer pagar o preço. As pessoas só nos aceitam hoje em dia, porque a lei faz elas aceitarem. Não é fácil. Ninguém gosta de gay em casa”, respondeu à colega com discurso homofóbico. 


A falta de tato da população, no entanto, é algo recorrente na vida de Lucinari. Ele e seu marido, com quase 20 anos de diferença de idade, são pais de um menino de 2 anos. Ele comentou que a constatação de que ele é o avô do garoto e que seu companheiro é seu filho faz parte do dia a dia, o que reforça ainda mais o ensinamento de Crenitte. 


Instituições que colaboram


Algumas instituições nasceram justamente por conta desta falta de conhecimento do público geral sobre questões de sexualidade e gênero. A EnternamenteSou é uma delas. 


O presidente da instituição, Luís Baron, contou que o objetivo da organização é ajudar e apoiar pessoas LGBTs mais velhas. “Temos um parâmetro diferente da OMS (Organização Mundial da Saúde), que considera os idosos a partir dos 60 anos. Gays e lésbicas aceitamos após os 50 anos e transexuais depois dos 40.


Baron iniciou sua militância depois de um comentário que ouviu sobre ele e seu companheiro na Parada LGBT de São Paulo. “Estava com meu companheiro, na época com 62 anos, na Parada e dois gays jovens passaram pela gente e comentaram ‘Olha, velhos também vem para a Parada’. Me choquei com aquele comentário e comecei a estudar sobre o assunto.”


As histórias são diferentes e mostram formas diversas de enfrentar uma mesma coisa, o preconceito. A problemática é sempre a mesma e deve ser combatida. Audrei Ferrante, professora e advogada, reflete justamente sobre a necessidade de um país com uma cultura diferente e mais conhecimento. “Enquanto o preconceito e a falta de informação não forem combatidos, será difícil conseguirmos progresso nesse tema com as pessoas idosas.”


"Se amar é o primeiro passo para poder sentir o amor de verdade", afirmou Javier Escribano, homem trans de 62 anos, que conseguiu vencer o preconceito de sua família e superar os desafios da vida.


 
 
 

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